INSTITUTO JOHN GRAZ

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John Graz, além de definições

Data: 29/01/2016 - Local: 

“Toda cadeira parece ser a estilização de uma atitude para a vida”

(Gerrit Rietveld, 1930)

 

Esta frase, do criador da famosa cadeira “red-blue”, de 1918, talvez sintetize o processo no qual a ideia de que arte deveria ser usada e não apenas admirada. Este conceito amadureceu na tangente do desenvolvimento das artes aplicadas, constante em um período que começou a ser requisitada a ideia de que qualquer objeto de uso cotidiano, mesmo um simples ferro de passar roupa, um rádio a válvulas ou até mesmo um automóvel deveriam ter suas densidades artísticas esteticamente trabalhadas e valorizadas, mesmo que tivessem um caráter apenas decorativo.

Estávamos em um momento mágico em que a aparente e histórica contradição entre artesanato e produção em massa parecia ter sido definitivamente superada graças a retumbante vitória da revolução industrial. Estávamos em um período em que o mundo começou a girar mais rápido, e a simplificação trazida pela modernidade e pela explosão urbana criava um conveniente contraponto à complexidade oceânica de novas informações e incertezas em relação ao futuro. E isto foi um fenômeno mundial. O modernismo teve os seus agentes, que de uma forma ou de outra formaram uma vanguarda na sociedade, e ajudaram a pincelar a consciência do “novo espírito” de Le Corbusier.

Segundo Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, falando sobre John Graz e os demais pioneiros na modernização do mobiliário moderno brasileiro como Warchavchik e Segall: “A importância maior dessa fase residiu em seu caráter revolucionário, cuja principal consequência foi o despertar da inércia acadêmica” e que “na prática, o movimento moderno era isento de nacionalismo e apresentou caráter internacional”. O internacionalismo destes primeiros anos era necessário para estes herdeiros contemporâneos da Semana de 22, pois o “olhar brasileiro” na criação e na produção de mobiliário ainda tinha que amadurecer para vestir-se de verde e amarelo, tarefa para Lina Lo Bardi e Sergio Rodrigues mais adiante.

John Graz nunca deixou a pintura, mas atuou em diversas frentes artísticas ou em parceria com outros artistas como sua primeira esposa Regina Graz Gomide. Procurou, dentro do espírito moderno, integrar as diversas manifestações da arte em seus projetos, e ficou conhecido como “arquiteto de interiores”, “criador de móveis futuristas” e “introdutor do estilo art deco no Brasil”. Na verdade, John Graz é muito maior que qualquer uma destas definições. E, como vanguardista da maior importância, muitas vezes se sentiu isolado, tal como Anita Malfatti, Brecheret, e Mario de Andrade, e isto fica claro em depoimento de 1972 a Roberto M. Santini: “Em 22, éramos um pequeno grupo, cujas obras eram vendidas a uma pequena elite econômica e intelectual, comprando nossas obras e ainda assim a preços baixos. Hoje todo o país vive um momento histórico, há venda, há galerias, há museus, há leilões, há até ajuda oficial”. Aliás, segundo caustica visão de Mario da Silva Brito: “era um diminuto grupo que se ampliou a ponto de tornar-se… um pequeno grupo. Este pequeno grupo realizou, em São Paulo, a Semana de Arte Moderna de 1922”.

Os móveis selecionados para esta exposição pertencem ao período em que John Graz se dedicou a movelaria com mais entusiasmo, compreendendo o final dos anos 1920 até o final dos anos 1930. De forma autoral e com produção não seriada, a maioria destas peças são únicas. John Graz foi também pioneiro no Brasil ao misturar materiais diversos em seus móveis, como o metal, por exemplo. Porém, ao contrário de Mies van der Rohe ou Marcel Breuer que utilizaram o metal cromado de forma estrutural em suas cadeiras e poltronas, para John Graz era apenas um complemento. Ele soube encontrar seu lugar, dado o seu gosto extremamente refinado, situou-se menos próximo dos racionalistas e funcionalistas alemães, mais próximo da sedução e do charme decorativo francês, porém sem carregar nas doses ornamentistas de Emile-Jacques Ruhlmann por exemplo, ou da generosa extravagância latina de Gio Ponti. Tal como Lovet-Lorski, Graz soube combinar magistralmente a precisão geométrica do cubismo e a força da elegante consciência clássica.

Em plena era da máquina, não se deixou iludir por um futurismo mecânico, contrapondo sim, o olhar contemplativo e helênico de Diana, ou a riqueza de cores de um Brasil povoado de seres em movimento, que são homens, mulheres, que são aves, são cavalos, são plantas que respiram, que vivem sob o sol. Sabe-se que John Graz fazia os croquis de suas criações e depois os refazia em escala natural. A maioria de seus móveis era encomendado ao Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo. Quando teve seu atelier na rua das Palmeiras costumava acompanhar de perto a produção. O Liceu é famoso por ter abrigado profissionais do mais alto gabarito, principalmente italianos. Tal como Johh Graz o Liceu produzia um pouco de tudo em termos de artes aplicadas. Móveis sofisticados, vasos, espelhos, fechaduras, lustres, esculturas em bronze e outros materiais. Hoje são itens raros, tal como são poucas as casas que decorou que ainda estão de pé, vítimas do frenético e cego ritmo desenvolvimentista de uma São Paulo que outrora se orgulhava de ser “a cidade que mais cresce no mundo”.

Eu creio que esta rica exposição possa contribuir para a compreensão de um período fundamental do lançamento do estilo moderno de mobiliário no Brasil, a compreensão ou a percepção dos momentos de ebulição no coração de alguns poucos e corajosos vanguardistas como John Graz, que não negaram uma firme e consciente atitude para com a vida. Parabéns e obrigado, Sra. Annie Graz!

                       Sergio Campos, curador do mobiliário da exposição John Graz.